[editar] O "Volksauto"
No início da década de 1930 a Alemanha era assolada por uma dura recessão, e tinha um dos piores índices de motorização da Europa. A maioria de suas fábricas era especializada em carros de luxo, montados à mão, e ainda muito caros. Por isso, e mais uma série de fatores, a ideia de um carro pequeno, econômico e fácil de produzir começou a ganhar popularidade. Era o conceito do "Volks Auto" - ou "Volks Wagen", expressões alemãs que traduzem a ideia do "carro popular".
Desde 1925 um conceito básico muito semelhante ao que viria ser o Fusca já existia, obra do engenheiro Béla Barényi (famoso projetista, responsável por várias melhorias de segurança passiva). Nos anos seguintes vários protótipos e modelos surgiam, como o Superior, da firma Standard, projetado pelo húngaro Joseph Ganz - este modelo inclusive era relativamente barato, cerca de 1500 marcos.
Até mesmo fora da Alemanha a ideia ganhava forma, com os aerodinâmicos Tatras ganhando as ruas da então Tchecoslováquia - carros estes que o próprio Hitler conhecia e admirava. Aerodinâmicos, resistentes e bonitos, possuíam motor traseiro refrigerado a ar, chassis com tubo central e eram obra do engenheiro austríaco 'Hanz Ledwinka, um conterrâneo e amigo do futuro projetista do Fusca.
Esta ideia cativou também o projetista de carros austríaco Ferdinand Porsche, um conceituado engenheiro da época, que desde 1931 abrira seu próprio escritório de desenho. Ele também tinha os seus planos para o VolksAuto, planos estes que em breve começariam a ser postos em prática.
Logo assim que montou seu escritório ele recebeu uma encomenda da Wanderer (parte da Auto Union, atualmente Audi) para uma linha de sedãs de luxo. Apesar da proposta, o projeto resultante (que recebeu o n° 7, para dar a impressão de não ser o primeiro) era já um pouco semelhante no design ao Fusca.
[editar] O Typ 12 e o Typ 32 de Porsche
Ainda em 1931 a Zündapp, fabricante de motos, decidiu se arriscar na ideia do carro popular alemão. Eles encomendaram ao escritório (Konstruktionbüro) Porsche a construção de um protótipo de carro popular. Porsche construiu três (na verdade a mecânica foi fornecida pela Zündapp, e as carrocerias pela Reutter), que foram batizados de "Tipo 12".
Porsche estava bastante entusiasmado com o projeto. O carro era compacto, com motor traseiro radial de cinco cilindros (semelhante a motores aeronáuticos), 1200cc, e contava com uma carroceria aerodinâmica, para reduzir a potência necessária e o tamanho do motor.
Os primeiros modelos, ainda muito diferentes do Fusca, estavam prontos já em 1932. No entanto, a Zündapp, por problemas financeiros, rompeu o contrato. Porsche ficou com um dos carros, entretanto nenhum deles sobreviveu à guerra.
Porsche, porém, já havia negociado com outro fabricante para desenvolver um "Volkswagen". Seguindo a tendência da Zündapp, a NSU decidiu entrar no ramo automotivo. Porsche valeu-se então das lições aprendidas no projeto anterior, e das ideias que ficaram mais refinadas, e o modelo da NSU acabou ficando bem semelhante ao Fusca como o conhecemos. Tinha um motor de quatro cilindros boxer, suspensão por barras de torção e o óbvio formato aerodinâmico. Apesar do refinamento do projeto, entretanto, a NSU não conseguiu o capital necessário para iniciar sua linha de automóveis, e em 1933 desistiu do projeto. Porsche, que sempre construía 3 protótipos, mais uma vez manteve um (que sobreviveu à guerra e está hoje no museu VW). A contribuição desse modelo NSU (firma que, assim como a Zündapp, contribuiu com a engenharia do seu protótipo) seria valiosa mais tarde, principalmente na hora de escolher o motor do Fusca.
[editar] O apoio de Hitler
Nesta época Hitler havia ascendido ao poder na Alemanha, estando comprometido com a modernização do país e a recuperação da economia, principalmente do emprego. Entusiasta por carros desde a juventude, Hitler via com bons olhos a ideia do carro do povo desde os tempos em que esteve preso, quando leu sobre Henry Ford. Para ele a ideia de um "carro do povo", feito por trabalhadores alemães e viajando por todo o país, era a exata realização da plataforma política de seu partido.
Decidido a financiar uma empresa estatal para produzir os automóveis que trafegariam por suas recém-inauguradas Autobahns, Hitler deu sinal verde para o projeto. Três opções lhe foram oferecidas pelos engenheiros Joseph Ganz, Edmund Rumpler e Ferdinand Porsche. Os primeiros dois eram judeus, e obviamente não agradaram a Hitler. Já Porsche era famoso pelo seu trabalho na Daimler, carros dos quais Hitler gostava, e, talvez mais importante, era amigo de Jacob Werlin, amigo e assessor para assuntos automotivos do ditador.
Em meados de 1933, Werlin, que conhecia Porsche dos tempos da Daimler-Benz, intermediou o encontro de Porsche com o ditador. Neste encontro, Hitler mostrou-se bem informado sobre os projetos de Porsche na NSU e com opinião formada sobre o "carro do povo". Hitler tinha pronto uma lista de exigências a serem cumpridas por Porsche, caso o contrato fosse efetivamente firmado:
- O carro deveria carregar dois adultos e três crianças (uma típica família alemã da época, e Hitler "não queria separar as crianças de seus pais").
- Deveria alcançar e manter a velocidade média de 100 km/h.
- O consumo de combustível, mesmo com a exigência acima, não deveria passar de 13 km/litro (devido à pouca disponibilidade de combustível).
- O motor que executasse essas tarefas deveria ser refrigerado a ar, pois muitos alemães não possuíam garagens com aquecimento, e se possível a diesel e na dianteira.
- O carro deveria ser capaz de carregar três soldados e uma metralhadora.
- O preço deveria ser menor do que mil marcos imperiais (o preço de uma boa motocicleta na época).
O ditador solicitou que Porsche condensasse suas ideias no papel, o que ele fez em 17 de janeiro de 1934. Ele encaminhou uma cópia a Hitler e publicou o seu estudo chamado "Estudo Sobre o Desenho e Construção do Carro Popular Alemão". Ali Porsche discorreu sobre a situação do mercado, as necessidades do povo alemão, sua convicção na viabilidade de um motor a gasolina e traseiro (ao contrário do que Hitler queria) e, principalmente, fez um estudo comparativo com outros carros alemães frente ao seu projeto, onde concluía pela inviabilidade de vender o carro por menos de 1.500 RM. Hitler leu o estudo, mas manteve-se irredutível quanto à questão do preço, o que preocupou Porsche.
Após alguns discursos sobre o projeto, Hitler finalmente colocaria a Associação de Fabricantes de Automóveis Alemães (RDA, na sigla em alemão) encarregada da execução do projeto. Apesar dos temores de Porsche, Werlin o convenceu a aceitar a verba de vinte mil marcos por mês para desenvolver o projeto. Assim, em 22 de junho de 1934 o contrato foi assinado, e os equipamentos foram instalados na casa de Porsche em Stuttgart. A equipe de Porsche era liderada por Karl Rabe, e contava com o designer Erwin Komenda (responsável pelo desenho da carroceria), Franz Xaver Reimspiess (que desenvolveria o motor final e a logomarca VW), Joseph Kales, Karl Fröhlich, Josef Mickl, Josef Zahradnik, e o filho de Porsche, Ferry.
[editar] Os problemas do projeto
Havia outros problemas além das exigências de Hitler. Porsche rapidamente conseguiu a oposição da RDA, que era a associação de classe dos fabricantes de carros na Alemanha, para o projeto do Volkswagen. Acostumada com a produção de carros de luxo, a associação esperava que o projeto não seguisse adiante. Por outro lado, a intervenção governamental preocupava as empresas que pretendiam se lançar por conta própria no mercado de carros populares - um exemplo era o executivo da Opel (e ironicamente futuro presidente da VW), Heinrich Nordhoff, que defendia que um automóvel não deveria ser produzido pelo governo e sim pelos fabricantes.
Não bastasse a oposição política, o Fusca deveria agora passar pela aprovação da própria RDA, que iria custear o projeto (função que Hitler lhe havia entregue), através de uma série rigorosa de testes jamais antes aplicada a carro algum.
As dificuldades técnicas envolvidas no projeto não eram menores. Fabricar um carro pequeno que tivesse o desempenho e confiabilidade das especificações era um desafio bem maior que o projeto de outros carros da época, e exigia o desenvolvimento de novas tecnologias e de soluções inteligentes.
O motor foi uma dificuldade à parte. Primeiro, foram tentados motores de dois e três cilindros, para reduzir os custos, mas eles não eram confiáveis e não produziam a potência necessária para o carro.
Para economizar espaço pela eliminação do radiador, optou-se por um motor refrigerado a ar. Como o motor era traseiro, havia problemas técnicos para a tomada de ar para a refrigeração.
Um engenheiro da equipe de Porsche sugeriu usar um motor radial de cinco cilindros, oriundo do Typ 12 (que tinha a vantagem de já estar pronto). Inicialmente a ideia pareceu absurda, pois este era um "motor de avião". No entanto, por algum tempo, tentou-se esta solução.
Finalmente, após testes com um motor vertical, alguns horizontais e até alguns dois tempos, e com os prazos cada vez mais curtos, Reimspiess desenvolveu um desenho funcional de um motor traseiro de quatro cilindros (boxer oposto dois a dois) refrigerado a ar. Ironicamente baseado em um motor de avião desenvolvido pelo próprio Porsche anos antes (1909), este motor se provou mais confiável, silencioso, econômico e barato do que todos os outros da época. Denominado E-Motor (o E indicando quantas tentativas foram feitas até se chegar ao desenho final), o motor era basicamente igual ao atual, salvo pela bomba de combustível elétrica (substituída pela bomba mecânica, mais confiável) e pelo virabrequim em ferro fundido.
A escolha do motor de quatro cilindros teve a oposição ferrenha de Heinrich Nordhoff (então representando a RDA), mas esta foi a escolha final. Chapas de metal curvado, encurtando o capô dianteiro e a traseira "corcunda", acabaram por dar ao carro o aspecto característico de "besouro".
Um problema com a traseira tão curta foi obter espaço para o motor. Uma ideia genial, adotada no Fusca, foi inclinar o motor levemente para dentro, o que economizava preciosos centímetros do capô.
No mais, a suspensão era resistente, por barras de torção, e a carroceria era sólida, o que reforçava a ideia de um carro popular e durável.
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